Ampliação
da licença-paternidade provoca reflexão sobre a participação do pai nos
primeiros meses de vida do filho
Por Isabella Rodrigues
A licença foi expandida com a sanção da Lei nº 13.257 e passou a valer em maio de 2016. Entretanto, nem todos os pais podem ter esse benefício, já que ele é limitado para funcionários públicos e outros trabalhadores de empresas privadas.
Para entender melhor sobre o histórico da legislação e o que se tem atualmente, ouça a explicação do advogado Jean Carlos Martins: (áudio)
.Para entender melhor sobre o histórico da legislação e o que se tem atualmente, ouça a explicação do advogado Jean Carlos Martins: (áudio)
O que diz o Direito
Segundo
o advogado especialista em Direito do Trabalho, Jean Carlos Martins, a nova lei
também altera a licença-maternidade de 120 para 180 dias com base nos mesmos
critérios referentes à ampliação licença-paternidade, e cria novos dispositivos sobre a
obrigatoriedade do pai e da mãe no cuidado com a criança. “A lei ainda
estabelece que o homem deve mostrar que, nesse período, está participando de um
Programa de Orientação sobre Paternidade Responsável. Esse programa é feito por
empresas que têm vinculação com o MEC e tem sido feito de forma on-line”,
esclarece Martins. Além disso, o pai precisa apresentar o certificado desse
curso para a empresa como comprovação das atividades.
Ainda de acordo com o advogado, os
estudos que levaram a decisão de alterar a lei no Senado indicam que a
participação do pai tem de ser o mais forte e o mais cedo possível para que se
desenvolvam os laços paternos com a criança e se incentive a responsabilização
do homem para dividir as obrigações com a mãe. Martins aponta que “o pai ficar
afastado de casa por causa do trabalho acaba reforçando a construção de que ele
é o provedor da casa e a mãe a única cuidadora. Essa licença ampliada ainda não
é o ideal, mas estimula a ideia de que os pais têm responsabilidades
igualitárias na criação dos filhos desde o princípio”.
Experiência efêmera
“Para mim, o pai precisava de pelo
menos 30 dias fora do trabalho para acompanhar esse momento inicial e todos se
adaptarem à nova situação, porque o bebê precisa fazer muitos exames e
necessita de muitos cuidados quando é recém-nascido”, explica Cruz ao mencionar
o que acredita ser o tempo ideal para a licença-paternidade. Ele conta que
dispor apenas dos cinco dias foi difícil. “É muito corrido. Dois dias no
hospital, depois, precisei ficar correndo atrás de todas as burocracias
necessárias... Eu perdia o dia inteiro fazendo isso e ficava só à noite com as
crianças. Como a Carla estava no resguardo, contamos muito com o apoio das avós
dos bebês. Se não fosse isso, seria ainda mais cansativo”, afirma o servidor.
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Para Roberto, os gêmeos são a alegria da casa. "Agora eles já falam, andam. São a sensação da família". (Foto: arquivo pessoal) |
Por considerar o tempo completamente
efêmero, o pai de Ana e Christopher resolveu usar o banco de horas do trabalho
no período do nascimento dos gêmeos. “Eu já tinha horas acumuladas e foi o momento
ideal para utilizar. Tirei três dias a mais, alternadamente. Se eu não tivesse
essa oportunidade, eu teria faltado ao trabalho porque o mais importante era
cuidar dos meus filhos”, constata.
Carla teve seis meses de
licença-maternidade e, logo em seguida, decidiu sair do trabalho para se
dedicar aos filhos. Ela também se recorda como os primeiros dias e meses com os
bebês foram complicados. “Nesses cinco primeiros dias, a gente não conseguia
dormir porque eles choravam muito por causa de cólicas. Mesmo sem descansar, o
Roberto arrumou toda documentação durante o dia, levou [os bebês] para fazer os
exames e dava os banhos – porque eu não conseguia”, conta. Para ela, a presença
do pai por mais tempo seria fundamental para não sobrecarregar ninguém. “Foi muito
importante ter o Roberto por perto no começo, mas, quando ele voltou ao
trabalho, o desgaste foi bem grande, tanto para mim quanto para ele. Se
houvesse a possibilidade de ele ficar mais tempo com a gente, seria tudo muito
melhor, sem dúvidas”, afirma Carla.
Construções sociais
A
Constituição brasileira reforça determinadas construções sociais e
comportamentos do cotidiano relacionados às questões de gênero e seus
desdobramentos. Segundo o professor do Instituto de Ciências Sociais da Universidade
Federal de Uberlândia (INCIS UFU), Márcio Ferreira de Souza, uma discussão
pertinente se refere ao conceito de divisão sexual do trabalho. Conforme o
dicionário francês do feminismo, há dois princípios organizadores dessa
divisão: a ideia de haver trabalhos de homens (ligados à produção) e de
mulheres (ligados à reprodução), juntamente com a crença de que o trabalho do
homem vale mais que o da mulher. “Esses princípios acabam por legitimar certos
pontos, como a ideia de que o papel de cuidadora sempre pertenceu à mãe. Nesse
sentido, existe até uma perspectiva naturalizadora – e propagada – desse mito
da maternidade como algo que faz parte do ser mulher”, explica Souza. Para ele,
a temática da licença-paternidade no Brasil é algo que teve pouca atenção
durante um longo período justamente por causa dessa naturalização.
O professor ainda aponta que a
sociedade brasileira é historicamente machista e patriarcal, o que contribui
para que haja uma resistência a mudanças como a ampliação da
licença-paternidade, aprovada somente ano passado. “Particularmente, penso que,
por parte dos homens, ainda não há uma mobilização tão intensa para que o
direito ao aumento da licença-paternidade seja para todos. Geralmente, são as
mulheres que acabam por reivindicar”, analisa o sociólogo. Entretanto, na opinião
dele, à medida que algumas ideias forem sendo desconstruídas, mudanças
significativas podem se tornar mais frequentes. “Eu acredito que a questão da
ampliação da licença aos pais, mesmo que tímida, aos poucos, tenha um impacto
positivo na sociedade. É um momento novo e de autorreflexão para que os homens
pensem sobre sua experiência como pais e revejam o significado da paternidade e
também da maternidade”, esclarece Souza.
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